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O alerta de Habermas para a eugenia liberal: sinais para a compreensão do Direito Civil




Os estudos atuais das questões relativas à natureza do ser humano transcenderam o domínio da filosofia teórica e chegaram ao campo do Direito, pragmático por excelência e tradição. O fenômeno jurídico é voltado para a decidibilidade, e a sua ciência, por vezes compreendida como dogmática, prescreve o dever-ser com base em aspectos variáveis da realidade humana. Faz-se necessária, assim, a abordagem de elementos teóricos de qualidade para a fundamentação hermenêutica apropriada à compreensão e vivência da experiência jurídica.


O Direito Civil brasileiro contemporâneo está imerso em legislações primordiais, as quais reclamam posicionamento urgente. Nesse sentido, surge a persistente questão sobre o início da vida humana, a possibilidade de assistência no processo de morte, o alcance da proibição às modificações corporais e os parâmetros éticos das manipulações genéticas em indivíduos vivos ou embriões em potencial. Com relação a essa última temática, o filósofo alemão Jürgen Habermas (1929) traz o livro “O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal”.


Conhecido por trabalhos descritivos dos modos de operacionalização das racionalidades instrumental e comunicativa, Habermas retorna à essência do homem ao considerar os elementos de manipulação de sua própria estrutura física, através do selecionamento genético. O trabalho, de 2001, recebeu posfácio após discussões patrocinadas por Ronald Dworkin (1931-2013), e orbita em torno da tecnicização da vida. Seu foco é indagar e refletir sobre a utilização da tecnologia para tornar a vida mais longeva e saudável. A análise envolve os parâmetros do uso da liberdade política, dentro dos moldes do liberalismo, como padrão para os avanços técnicos, e, mais especificamente, se estes se encontrariam disponíveis para todos, ou reservados para os detentores de poder aquisitivo.


A seleção e o melhoramento de seres humanos poderia, nessa lógica, ser utilizada como fator de formação de castas sociais privilegiadas de modo econômico e físico, já que seriam menos suscetíveis a doenças, e as mazelas porventura contraídas poderiam ser curadas com maior eficácia e menor sofrimento. O papel do Estado também é evidenciado, e sua presença, questionada, na oferta e regulamentação de tratamentos médicos coligados à engenharia dos genes. O texto enaltece, por certo, a técnica como fator de aprimoramento do ser humano, ao passo em que traz respostas para antigos sofrimentos, desesperos táteis e prognósticos médicos dolorosos.


Todavia, as considerações do autor não deixam de tocar, de modo candente, os desdobramentos possíveis de se alocar a prática genética de melhoria como supedâneo do poder. Refletir sobre a obra de Habermas, no livro mencionado, convida ao debate em torno das relações entre a liberdade privada de ingerência sobre o corpo, e o bem-estar comum, que aguarda a manifestação das novidades do melhoramento genético.


Referência bibliográfica


HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana: a caminho da eugenia liberal? Trad. Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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