Crime, em acepção material, é todo comportamento humano gerador de conflitos pela lesão a bem jurídico alheio. Modernamente, o conflito resultado da prática de ilícito de natureza criminal somente pode ser resolvido pelo próprio Estado que detém o monopólio da jurisdição penal.
Como consequência que lhe caracteriza o crime impõe como resposta a imposição de pena. Assim, uma vez praticado um delito, surge para o Estado o “direito de punir” ou ius puniendi. O poder-dever de responsabilizar criminalmente o indivíduo que delinquiu deve ser exercido em certo intervalo temporal. A ausência de responsabilização nesse intervalo é causa de extinção da punibilidade que conhecemos como prescrição.
Então, prescrição é a
“perda do direito de punir do Estado, pelo decurso do tempo, em razão do seu não exercício, dentro do prazo previamente fixado” (BITECOURT, 2020, p. 987).
O prazo para o exercício do poder-dever de punir é estabelecido, ora pela pena máxima cominada ao delito (pena em abstrato), ora pela pena concreta fixada numa sentença penal condenatória. Em ambas as circunstâncias para definirmos devemos comparar as penas com os intervalos definidos no código penal, seu art. 109, in verbis.
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano
Para respondermos ao questionamento que abre nosso blog, recorramos a um exemplo: Pereirinha adquiriu celular produto de furto atraindo, desse modo, a incidência do art. 180 do Código Penal, com pena máxima de 4 anos de reclusão, com prazo de prescrição da pretensão punitiva abstrata em oito anos (art. 109). O Ministério Público ofereceu a denúncia 4 anos e 8 meses, após o fato. Pereirinha é primário, de bons antecedentes e, em suma, as circunstâncias judiciais lhe serão favoráveis em eventual condenação. Não concorrem circunstâncias atenuantes/agravantes tampouco causas de aumento/diminuição de pena. Com base nisso, estima-se que Pereirinha, em caso de procedência, será condenado na pena mínima, no caso, um ano de reclusão. Considerando o exposto, a defesa impetra Habeas Corpus para trancar a ação penal alegando, em suma, que a pena de Pereirinha certamente não ultrapassaria o patamar mínimo, o qual prescreve em 3 anos. Destarte, inescapável que de todo inútil o prosseguimento do feito porque, ainda que procedente, seria necessária apenas a prolação de sentença para o posterior reconhecimento de tal prescrição.
PERGUNTA-SE: É possível reconhecer a prescrição da pretensão punitiva em abstrato levando em consideração hipotética pena concreta a que se sujeitaria o autor do fato?
Como resposta ao nosso primeiro questionamento, a Prescrição virtual seria a perda do direito de punir do Estado pela inércia em propor a ação penal no tempo certo tendo por consideração hipotética pena concreta a que ficaria sujeito o autor da infração. Observe que ainda não há pena. O que há é mera suposição.
Como resposta ao segundo ponto suscitado colacionamos entendimento da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça número 438 que dispõe ser “inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.
Há impossibilidade jurídica para reconhecer-se antecipadamente a prescrição com base em pena hipotética. Situação que violaria o princípio da presunção de inocência, pois implicaria em reconhecer que o indivíduo seria condenado, suprimindo lhe a chance de ver reconhecida sua inocência.
Professor Mestre Roney Carlos de Carvalho
Mestre em Direito (UFC). Doutorando em Direito Penal e Liberdades Públicas (UFBa). Coordenador do NPJ/FIED. Professor de Direito Penal e Processual Penal da FIED/UNINTA.
Wescley Anderson Rodrigues.
Acadêmico do Curso de Direito da FIED. Bolsista do Programa de Monitoria Acadêmica (PROMAC) e do Programa de Iniciação Científica (PROGIC).
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