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A responsabilidade afetiva paterno-filial

Atualizado: 16 de jul. de 2021




O afeto se constitui como fundamento da família contemporânea, bem como elemento estrutural decorrente da dignidade humana e solidariedade familiar. Desta forma, as relações familiares, são ancoradas na presença da afetividade que inclusive é capaz de constituir vínculo filiatório, a exemplo da paternidade/maternidade socioafetiva.


Apesar de ser o ideal, não pode-se falar em obrigatoriedade de elemento tão subjetivo, tendo em vista que o afeto surge de maneira espontânea não podendo assim, ser juridicamente exigível.


Neste sentido, a partir da importância do afeto nas relações familiares, muitas demandas vem chegando ao judiciário diante do argumento da ausência de afeto no vínculo paterno-filial e como poderia surgir a responsabilidade civil do pai/mãe que abandone moral e materialmente o filho.


Nessa linha, no Brasil existem inúmeras crianças e adolescentes que não tem pai no registro de nascimento, sendo tão somente registrados em nome da mãe/genitora. Segundo censo escolar realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (2013), há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento, induzindo, portanto, a tese do abandono afetivo.


Diante deste panorama, o abandono paterno-filial vem alcançando proporção e relevância no judiciário, fazendo com o que seja desmistificada a ideia que a responsabilidade de criar, educar e cuidar seja da mãe, quando em verdade a obrigação decorre do chamado poder familiar presente dentro do ordenamento jurídico brasileiro.


Importante ressaltar que a responsabilidade afetiva tem sua origem na Constituição Federal de 1988, artigo 227, quando atribui à família o dever de educar, bem como o dever de convivência e o respeito à dignidade dos filhos, devendo esta, sempre priorizar pelo desenvolvimento saudável do menor. No mesmo sentido, o art. 229 da CF/88 dispõe que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”


No tocante a legislação infraconstitucional, tem-se as normas relativas ao poder familiar previstas no Código Civil de 2002, especificamente entre os arts. 1.630 a 1.638, dispondo sobre o poder-dever atribuído aos pais em relação aos filhos como educação, criação, guarda, entre outras atribuições decorrentes deste múnus público.


Verifica-se, assim, que apesar da nomenclatura "abandono afetivo", não trata-se somente da ausência de afeto e amor, mas sim do descumprimento dos deveres e responsabilidades que são impostos aos pais quando não exercem da maneira adequada uma função que é imposta pelo próprio legislador, como falta de assistência material e afronta ao desenvolvimento da personalidade do indivíduo menor de idade.


Assim, o abandono afetivo caracteriza-se numa imposição legal de um dever de cuidar que nasce da liberdade do indivíduo em decidir gerar ou adotar. A ausência de afeto/amor por si só não tem o condão de gerar responsabilidade, mas sim a falta de um dever que é imposto legislativamente.


Nesse patamar, interessante notar a relação existente entre a tese do abandono afetivo com a responsabilidade civil prevista no artigo 927 do Código Civil de 2002. Assim, o citado dispositivo dispõe que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”


Partindo-se da análise dos arts. 186 e 187 do CC/02, verifica-se que surgirá a responsabilidade civil como consequência do abandono afetivo, quando restar a presença de ato ilícito devidamente comprovado, fundado especialmente no dever de não causar dano a outrem. No caso, do dever que os pais têm de não causar danos de ordem material e/ou moral aos filhos.


Por fim, cabe ao magistrado quando da análise do caso concreto saber diferenciar entre ausência de cuidado e ausência de afeto, levando em consideração que o dever de cuidado é imposto legalmente e sua omissão configura-se como ato atentatório a dignidade do menor e, por outro lado, a ausência de amor por si, não enseja em responsabilidade civil, pois afeto é algo que não pode ser exigido, mas sim ofertado de maneira espontânea.


Monitora: Stefany Portela

Profª: Ravelly Martins

Prof. Alberto Dias de Sousa

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